quarta-feira, 26 de março de 2014

E o livro do mês escolhido é:
Na Penúria em Paris e em Londres, de George Orwell


«É curioso verificar como certas pessoas pensam que têm todo o direito de nos dirigir sermões e de nos fazer ouvir as suas rezas mal os nossos rendimentos descem abaixo de certo nível.» G. Orwell

segunda-feira, 10 de março de 2014

Mitos

A propósito da tertúlia no sábado passado. Ao dizermos que a emigração portuguesa de hoje é altamente qualificada acabamos por cair num mito.

Ler aqui a notícia do Público


quinta-feira, 6 de março de 2014

Na Penúria, em Paris e em Londres, George Orwell

«Sete da manhã, na rue du Coq d’Or, Paris. Sobe da rua uma enfiada de gritos estridentes e furiosos. Madame Monce, a dona do pequeno hotel que fica precisamente diante do meu, desceu para o passeio, e daí dirige as suas imprecações contra uma locatária do terceiro andar. Tem os pés sem meias enfiados em socos e o cabelo grisalho desgrenhado.
Madame Monce: Salope! Salope! Quantas vezes te disse já para não esmagares os percevejos contra o papel da parede? Estás convencida que compraste o hotel, não? Não podes atirar os bichos pela janela como toda a gente? Putain! Salope!
A mulher do terceiro andar: Vieille vache!
Irrompe, entretanto, um coro discordante de uivos, e as janelas abrem-se de todos os lados, enquanto metade da rua se encontra já envolvida na zaragata. Mas tudo se cala de súbito, passados dez minutos, porque um esquadrão de cavalaria atravessa a rua e toda a gente fica a vê-lo passar.
Este breve apontamento destina-se apenas a transmitir ao leitor um pouco do espírito da rue du Coq d’Or. Não é que lá as zaragatas fosse o único acontecimento observável – mas é verdade que raramente se passava uma manhã sem a ocorrência de pelo menos uma crise como a que acabo de descrever. Brigas e os gritos desolados dos vendedores ambulantes, os berros das crianças dedicadas à apanha de cascas de laranja no chão, e, com a noite, cantigas entoadas a plenos pulmões, de mistura com o cheiro azedo dos caixotes do lixo – tal era a atmosfera peculiar da rua.»
(…)
Na penúria em Paris e em Londres, George Orwell (Ed. Antígona)

Pátria, Guerra Junqueiro

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.

A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.

Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."

Guerra Junqueiro, in 'Pátria (1896)'

Sobre os dois livros propostos

Pátria, de Guerra Junqueiro "De todas as obras escritas por Guerra Junqueiro, a "Pátria" é sem dúvida aquela que maior impacto teve no seu tempo e a que, ainda hoje, decorrido mais de um século sobre a sua primeira publicação, em 1896, se mantém tão viva quanto actual. No plano político e social, ressalvadas as diferenças de regime e governação e o período conturbado que provocou a queda da monarquia e a implantação da República, muitas são as semelhanças que se poderão encontrar com os dias de hoje no que respeita à forma de fazer política e conquistar o poder, ao arrepio dos interesses e do bem-estar colectivos, e à passividade com que a população mais desfavorecida acata as crescentes desigualdades sociais e económicas. Se no tempo da monarquia a situação do país era degradante e ruinosa que dizer do Portugal actual? De um país sem autêntica autonomia governativa e independência económica, subalterno perante uma União Europeia dominada pelos países ricos?"
introdução da última edição do livro, Editora Vega




Na Penúria , em Paris e em Londres, de George Orwell
"George Orwell (Eric Arthur Blair) regressou a Inglaterra, vindo de Paris, no Natal de 1929. Os três anos seguintes passou-os a vagabundear, experimentando altos e baixos: redigiu recensões, artigos importantes, foi professor e escreveu e reescreveu Na penúria em Paris e em Londres, que seria rejeitado sucessivamente até chegar às mãos do editor Victor Gollancz. O livro acabou por cativar a crítica, apesar da relutância dos livreiros e do receio de Orwell. Através da personagem Bozo, é Orwell que discorre acerca da pobreza e investe sobre a dignidade de todos os seres humanos, mesmo os pedintes sem eira nem beira: «É curioso verificar como certas pessoas pensam que têm todo o direito de nos dirigir sermões e de nos fazer ouvir as suas rezas mal os nossos rendimentos descem abaixo de certo nível.» A descrição de Orwell é brutal, desalentadora, injectando sofrimento e aviltação na essência de cada um de nós, mas é perpassada por momentos divertidos e comoventes. Orwell tenta deste modo contar a história dos homens com quem se vai cruzando, vidas perdidas que apenas o encontro resgata. Desde a primeira edição (1933) prevalece a questão de como destrinçar a realidade da ficção. Como na maior parte da sua obra, de facto, Orwell trabalha com mestria e de forma importante e valiosa na fronteira entre o documentário e a ficção, mas a sua escrita está indubitavelmente fundada e enraizada no mundo que descreve. E talvez seja esse o maior «ensinamento» de Orwell: revelar-nos que o quotidiano daqueles que vivem na mais absoluta penúria se resume quase exclusivamente à eterna luta por encontrar comida e um sítio para dormir." 
 introdução da edição publicada pela Editora Antígona.



Qual será o livro do próximo mês?






o Letre7ra está já a pensar no livro para o próximo mês!  ;)
para já, temos duas propostas: Pátria, de Guerra Junqueiro e Na Penúria, em Paris e em Londres, de George Orwell.
Gostaríamos de saber a vossa opinião!
Propostas de mais livros para os meses seguintes são bem-vindas!;)