«Sete da manhã, na rue du Coq d’Or, Paris.
Sobe da rua uma enfiada de gritos estridentes e furiosos. Madame Monce, a
dona do pequeno hotel que fica precisamente diante do meu, desceu para o
passeio, e daí dirige as suas imprecações contra uma locatária do terceiro andar. Tem os pés sem meias enfiados em socos e o cabelo grisalho desgrenhado.
Madame Monce: Salope! Salope! Quantas vezes te disse já para não
esmagares os percevejos contra o papel da parede? Estás convencida que
compraste o hotel, não? Não podes atirar os bichos pela janela como toda
a gente? Putain! Salope!
A mulher do terceiro andar: Vieille vache!
Irrompe, entretanto, um coro discordante de uivos, e as janelas
abrem-se de todos os lados, enquanto metade da rua se encontra já
envolvida na zaragata. Mas tudo se cala de súbito, passados dez minutos,
porque um esquadrão de cavalaria atravessa a rua e toda a gente fica a
vê-lo passar.
Este breve apontamento destina-se apenas a transmitir
ao leitor um pouco do espírito da rue du Coq d’Or. Não é que lá as
zaragatas fosse o único acontecimento observável – mas é verdade que
raramente se passava uma manhã sem a ocorrência de pelo menos uma crise
como a que acabo de descrever. Brigas e os gritos desolados dos
vendedores ambulantes, os berros das crianças dedicadas à apanha de
cascas de laranja no chão, e, com a noite, cantigas entoadas a plenos
pulmões, de mistura com o cheiro azedo dos caixotes do lixo – tal era a
atmosfera peculiar da rua.»
(…)
Na penúria em Paris e em Londres, George Orwell (Ed. Antígona)
Sem comentários:
Enviar um comentário